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depois de recentemente ter partilhado o meu interesse em contar(-vos) mais histórias, de entre as quais as crónicas de lisboa ainda por escrever, reparei que a última crónica publicada data de novembro do ano passado. desde então visitei lisboa mais duas vezes, pelo que esta crónica (ou lá o que isto é) debruçar-se-á retrospectivamente sobre essas viagens.
viajei para lisboa a catorze de dezembro, dia marcado pelo término do período escolar da universidade antes da pausa natalícia, e que se seguiu à minha reunião de acompanhamento do doutoramento (no fundo uma reunião com os meus orientadores e um outro docente para discutir o desenvolvimento do meu trabalho), onde o meu trabalho foi elogiado. parti, portanto, contente. e embora não me recorde, sei que a viagem foi igual a tantas outras, preenchida com séries no telemóvel. eu e ele tínhamos combinado ir à wonderland lisboa, pelo que jantaríamos por lá. fazia muito frio, e visitar o parque eduardo vii com a mala atrás de mim foi das piores decisões que tomei naquela altura. lembro-me de ter ficado rabugento, e não aproveitar o momento em condições (eu tenho o hábito de fazer isso). ficámos indecisos sobre onde comer, e as horas foram passando. ficou tarde. comemos bifanas: uma desilusão que nos secou a boca, e quase nos entalou. os lisboetas não sabem o que são bifanas a sério, acreditem no que escrevo. visitem o são joão de braga, e depois falamos. quis andar na roda gigante, porque queria um momento lamechas com ele, na época natalícia. mas com a mala, não dava jeito, e a fila era grande, e nós conseguimos ver o preço. ficou a promessa de voltar no domingo. já não me recordo o que fizemos durante o dia seguinte, confesso, mas a noite de sábado ficou para a memória: ver pela primeira vez os pontos negros ao vivo num concerto comemorativo dos 10 anos de magnífico material inútil. foi também uma estreia visitando o musicbox (quase uma caixa que parece ter sido criada para fósforos verem concertos, tal o tamanho diminuto da mesma). apesar do calor que fazia, e do ar quase irrespirável, o concerto foi muito, muito bom. o dia seguinte foi maioritariamente passado em casa, com atrasos típicos de fim-de-semana, e pressas para apanhar o autocarro. depois de lhe ter deixado uma semana de prendas (ofereci-lhe uma prenda por dia até ao natal, tipo calendário do advento), vim embora sem ter andado na roda gigante (talvez para o ano, num mercado de natal pela a alemanha?). mais um fim-de-semana que passou a correr. uma semana depois, ele veio para passar o natal em braga. ficou até dia dois de janeiro, depois de umas mini-férias pelas quais ambos estamos gratos.
a visita seguinte a lisboa deu-se a quinze de janeiro, terça-feira. depois de matar as saudades e dormir pouco, corremos na manhã de dezasseis bem cedo para o aeroporto. voámos para bruxelas (com um atraso enorme, maldita ryanair) e passámos lá uns dias. jantar com um amigo dele na primeira noite, e passear no centro de bruxelas no seu temível frio. o apartamento em que ficámos tinha netflix, o que justificou termos feito binge watching de sex education ao longo da estadia. visitámos o atomium, o museu de arte, o museu de chocolate, uma catedral, o jardim botânico, o menino que faz xixi e outros pontos turísticos. decidimos explorar a noite lgbt da capital belga (ele usou um ticket daqueles que lhe dei), e fomos a um bar com o amigo dele: chez maman. foi a primeira vez que vi um espectáculo drag, e fiquei positivamente surpreso. apesar disso, e fora as actuações, era apenas um bar normal, e eu não gosto de bares normais: muito calor e muitas pessoas num espaço minúsculo, com pouca luz e música má muito alta. percebo que seja o sítio ideal para quem quer dançar, mas eu não danço e, por isso, dispenso toda esta realidade da vida nocturna. para mim é sempre preferível um serão num agradável café em que se possa conversar sobre assuntos profundos. agora que penso, sei que foi uma viagem em que não estava muita paciência, e arrependo-me da forma como o tenho tratado em determinadas ocasiões. contudo, no geral, foi uma boa viagem. gosto muito de viajar com ele. aliás, gosto muito de viajar, é certo. a sua companhia é que torna tudo muito melhor. regressámos a lisboa no sábado, e o domingo foi para descansar, e entrar gradualmente no ritmo da rotina. outras mini-férias que nos cansaram mais do que nos permitiram descansar, e que passaram depressa demais.
entretanto, ele veio, e virá mais vezes a braga. não tencionava a ir a lisboa antes de março, porque vou a um congresso em paris, e tenho feito investimentos que me saem do orçamento mensal. no entanto, sei que a próxima vez que o fizer será, muito provavelmente, a última visita deste género a lisboa. será a última das crónicas de lisboa. é que ele vai mudar-se para coimbra em breve. nova bolsa, novo trabalho, nova cidade. cidade mais barata, e mais perto, o que é perfeito. portanto, devo ajudá-lo a fazer as mudanças no final do mês de março, e aí darei o meu adeus a lisboa. claro que tenciono visitar, que lisboa é efectivamente uma boa cidade para se visitar. mas não é uma cidade perfeita. nunca foi a cidade perfeita para nós. e ainda bem.
o mundo é grande demais, não é? ainda assim, há nele lugares demasiado pequenos.
com um raio médio de 6371 km, o planeta terra tem uma superfície total de 510 072 000 km2, dos quais 148 940 000 km2 são terra, e 361 132 000 km2 são água (cerca de 70.8%). somos mais de 7 biliões de seres humanos espalhados pelo mundo (biliões? teremos a real noção do que significa um número assim tão grande?). e, na verdade, se condensássemos toda a população, em pé, num único lugar, esta não ocuparia muito mais do que que uma área de 1050 km2, ou seja, uma área menor que toda a região de lisboa.
nós, humanos, somos demasiado pequenos. exíguos. insignificantes. sobretudo se conseguirmos ter a noção da vastidão à nossa volta, do universo em constante expansão, do infinito. e nós aqui, no nosso cantinho, tão...finitos. há uns anos, enquanto fazia erasmus, tive a epifania de que sair da nossa zona de conforto nos faz muito bem. sair do nosso cantinho à beira-mar plantado; daquela nossa cidade atribulada, ou pacata, que conhecemos como a palma da nossa mão; da nossa freguesia, onde ainda vemos os amigos de infância que dali não saíram, e onde as pessoas não nos conhecem mas sabem de quem somos filhos, ou netos, e se sentem no direito de falar sobre nós a quem quer que seja; da casa dos nossos pais, onde tudo está ao nosso alcance; do nosso quarto quentinho e só nosso; do nosso corpo, que pode ser mais confortável para uns do que para os outros, mas que é aquilo nos é mais familiar e verdadeiramente a única coisa que nos pertence; dos nossos pensamentos, tão constantes, tão inflexíveis e mundanos. sair de todos estes lugares(-)comuns pode fazer-nos ver o mundo de outra forma. e eu vi, e quis ser mais do que aquilo que era. e durante quatro meses, senti que fui algo maior, que fazia parte de algo maior. mas o tempo passou, e eu voltei ao mesmo local de sempre. mas diferente, de certa forma.
se pensarmos bem, não custa assim tanto ver as coisas com outros olhos, tentar experimentar coisas diferentes. pode ser um novo restaurante, uma nova forma de fazer as coisas. lá porque alguém faz algo diferente (desde que não seja estúpido), não significa à partida que seja mau. podemos experimentar, e depois julgar por nós próprios. pensarmos nas coisas assim pode fazer a diferença. e quem sabe, talvez gostemos das coisas novas, e fiquemos com a vontade de conhecer mais, e mais. e depois queremos visitar muitos locais diferentes, e conhecer novas e diferentes culturas, e pessoas. e trocar experiências que, embora diferentes, podem ser igualmente válidas. e assim se caminha em rumo à tolerância ou, pelo menos, ao respeito da diferença. mas claro, é sempre preciso ter vontade de explorar a diferença, e querer ver as coisas de forma diferente, mesmo quando o mais fácil é ficar em casa, e ir dormir; quando o mais fácil é julgar a partir da nossa zona de conforto, aquele pensamento só nosso, constante e mundano.
e o mundo, do alto dos seus 510 072 000 km2, está-se nas tintas para o nosso pensamento exíguo. o mundo continuará a ser grande demais. e nós, pequenos.
tenho vindo a sentir que já não tenho mais histórias para contar ou, pelo menos, nenhuma que valha a pena partilhar. na verdade, o que tem acontecido é que tenho andado com a cabeça demasiado ocupada, e tem havido poucos momentos em que me sinto em paz suficiente para poder pensar de forma clara.
alguns desses momentos chegam-me enquanto nado, e é precisamente quando nado que tenho algumas das que considero serem das melhores ideias que alguma vez tive. vêm-me sempre à mente, nesses momentos em que o meu pensamento se torna tão claro como a água em que me banho, as soluções para todos os problemas que surgem no meu doutoramento, na amizade, ou na vida familiar, e todas as palavras que podem formar os mais belos poemas, que tenciono escrever. infelizmente, o que me acontece depois é sair da água e perder toda essa clareza, e todo o raciocínio. volto imediatamente ao pensamento mundano e inútil, e perco todas aquelas palavras que soaram bem momentos antes. e a sensação que me preenche é a de que não tenho, nem terei mais histórias para (vos) contar.
mas isso não é verdade, de todo. tenho ainda muitas histórias por contar. só que não tenho tido cabeça para as escrever. faltam-me as palavras certas, a disposição certa, o tempo suficiente. mas eu prometo voltar daqui a nada, e contar-vos tudo: mais crónicas de lisboa, mais poemas, mais músicas que oiço e me tocam a alma, mais palavras que me dizem muito mais do que o seu significado, mais imagens que marcam; enfim, mais histórias.