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«acordo sem saber o que são estes dias.», escrevi num poema recente. é isso que sinto, acho: já não conheço estes dias que vou vivendo. são todos igualmente desconcertantes, cheios de tédio e solidão.
tinha guardado no blog um rascunho de um post que escrevi em março de dois mil e dezassete, que se intitulava "das dúvidas", e que seria para eu desenvolver o que me atormentava na altura. e aqui está ele:
os dias cinzentos são os piores.
desenvolvi, ou tenho vindo a desenvolver nos últimos anos, um humor bastante depressivo, que me acompanha em todos os contextos da minha vida. manifestado mais por atitudes e comportamentos de irritação do que propriamente de tristeza, tornou-se cada vez mais constante.
o que penso estar por base desde estado negativo de humor tem que ver sobretudo com a minha insegurança pessoal nos mais diversificados contextos da minha vida. mas principalmente no profissional. sou, sempre fui, estudante. sinto que não sei fazer mais nada. sempre cresci com a ideia de que tinha de ser o melhor, e tentei sê-lo. nem sempre consegui, é certo, mas na verdade o propósito, a finalidade de sê-lo era, sempre será, em si, vazio. será que sou capaz?
vivemos com outras pessoas. só somos melhores em interacção com elas. sinto-me só. depois não quero ninguém. será que sou normal? parece que vivo numa qualquer eterna adolescência emocional.
afeiçoo-me demasiado, mas nem o sabia. será que ele gosta mesmo de mim?
e quando me sinto assim constantemente, pergunto-me: serão os dias cinzentos os piores?"
na altura em que isto foi escrito, estava a namorar com um ele há menos de três meses, e tinha iniciado o doutoramento. portanto, as dúvidas eram um tanto justificadas, penso eu. nunca desenvolvi o texto ao longo dos ano por duas razões: esquecimento, e as dúvidas acabaram por se esbater de alguma forma.
no entanto, agora que passaram dois anos, olho para trás e apenas sei dizer que os dias cinzentos não são os piores. os dias piores podem ser também os soalheiros. como ontem, ou hoje, em que o sol brilha e queima a pele e os olhos. sim, continuo com uma visão negativa da minha vida. mas é o que sinto.
estou neste momento num bloqueio extremo face ao que tenho de fazer, que é escrever artigos. ando a procrastinar demasiado, e a sentir-me um inútil. quando me quero distrair, acabo por não conseguir, ou recorro a séries ou filmes, ou jogos. às vezes penso ir nadar, mas perco quase sempre a vontade (o que piora a sensação de inutilidade). mas na verdade, o que quero é socializar. porque me sinto sozinho, e precisava que alguém me ajudasse a sentir-me menos inútil. acho que ele tenta, de alguma forma, mas está longe e não é a mesma coisa.
e é isso. ele está longe e sinto-me sozinho. mesmo com os amigos que tenho, (que, parece, são cada vez menos) sinto-me só. aliás, ontem e hoje, três pessoas diferentes fizeram questão de salientar quão poucos amigos tenho. uma dessas pessoas foi o meu pai, que me veio mudar um pneu, depois de ter um furo (história engraçada: sou tão inútil que não consegui encontrar a chave para mudar o pneu que estava na mala do meu próprio carro. e mesmo que tivesse encontrado, possivelmente a tentativa de mudar o pneu sozinho ia sair furada - pun intended). a verdade em relação aos meus amigos é esta: muitas vezes sinto vontade de sair, e penso ligar a alguém para irmos tomar um café. corro mentalmente a lista de pessoas com quem me sinto confortável ou próximo, e sei que ninguém iria concordar em tomar um café comigo, assim em cima da hora. sinto que ninguém terá disponibilidade para mim.
por outro lado, poderia recorrer à minha família, que está quase sempre disponível. mas a verdade é que nunca encontrei na minha família um lugar seguro e tranquilo, sobretudo nos últimos anos. apesar de todas as suas boas intenções, e de tudo o que fizeram por mim, e de todas as razões pelas quais lhes estou grato, há sempre um certo grau de frieza em como nos relacionamos. e por isso, surge sempre um leve desconforto quando passo demasiado tempo com eles. de vez em quando é agradável estar com eles, sim, mas não tanto quanto desejaria.
ou se calhar sou só eu que sou demasiado exigente com as expectativas que tenho em relação a quem me rodeia. e na verdade sou um merdas, que nem sozinho consegue estar. foda-se.