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depois da aventura da inundação, as coisas foram-se resolvendo. na sexta-feira conseguiram arranjar a fuga, e já pude ter água no apartamento. por causa das intervenções que o meu apartamento (e o de baixo) terão de sofrer, vão mudar-me para outro apartamento na próxima semana. duas semanas depois, mudar-me-ei para outro apartamento, onde ficarei até voltar para portugal. é chato, mas podia ser pior. depois de um fim-de-semana marcado por descidas repentinas da temperatura (no sábado sol, dezoito graus; no domingo muito vento e máxima de onze), a passada segunda-feira foi marcada pela minha passagem para os vinte e oito anos.
talvez tenha sido dos aniversários mais solitários de que me lembro, porque basicamente foi uma segunda-feira demasiado normal para quem está a mais de dois mil quilómetros de casa. acordei e fiz um bolo para levar para o escritório. partilhei-o com alguns alunos de doutoramento que me acompanham no dia-a-dia, durante o almoço. o resto do dia foi trabalho, que incluiu a ida a uma "aula" com duas apresentações de outros alunos, e terminar o dia com um jantar com a mexicana que partilha a minha orientadora, e o italiano que também vive na guesthouse. nada de especial, mas suficientemente agradável. o ponto alto foram algumas das mensagens que fui recebendo, e a brincadeira dos meus colegas de trabalho (e amigos) que, em portugal, festejaram "comigo" (uma versão de mim, feita de balão, camisa e papéis). dá para notar que sentem a minha falta, e sentir-me desejado é óptimo.
por cá, os festejos continuaram ontem, quando cozinhei francesinhas para os alunos de doutoramento. utilizei a cozinha comum da guesthouse e, apesar do stress que a experiência causou, consegui alcançar o sucesso que desejava: eles adoraram. tivemos momentos divertidos, e gostei muito de festejar na sua companhia. eles ofereceram-me algumas lembranças de que gostei verdadeiramente. eles são mesmo pessoas fantásticas. a noite continuou para alguns de nós, na casa de um deles (tínhamos de sair da guesthouse às dez), e a conversa estava tão interessante que acabei por me distrair com as horas. resultado? mais noite mal dormida, que afectou mais um dia de volta ao trabalho. mas amanhã devo ir nadar para aliviar o stress, e depois há festa de halloween com eles novamente. também devo ir ver o joker ao cinema na sexta-feira, e concluir as minhas tarefas mais importantes nestes dias.
para aproveitar esta onda de coisas a correr melhor, lembrei-me de fazer algo semelhante ao ano passado: reflectir sobre os momentos positivos que vivi ao longo dos meus vinte e sete anos. claro que este exercício retrospectivo não é tão fácil assim (sobretudo com o meu viés depressivo), mas vou tentar. também como no ano passado, o que de mais positivo guardo são as novas experiências, os novos lugares, as novas pessoas que fui conhecendo. para começar, retrocedo ao meu último aniversário.
sei que festejei com amigos próximos na noite anterior, com a minha família ao almoço, e jantei só com ele na casa de pasto das carvalheiras (talvez o meu restaurante preferido de braga). depois, o mês de novembro incluiu uma ida a lisboa com presença num concerto de príncipe, e o festejar do primeiro aniversário da minha sobrinha. foi também em novembro (acho) que começou a minha aventura rumo a mannheim, quando comecei a planear o trabalho com a investigadora de cá. dezembro, nomeadamente a época natalícia, justificou a ida à wonderland lisboa, ver os pontos negros ao vivo no musicbox e, já em braga, o jantar de natal com os melhores colegas de trabalho, e o tradicional bananeiro com os amigos mais próximos. depois do natal em família, tempo de festejar o nosso segundo aniversário de namoro com uma massagem a dois e um almoço especial.
janeiro começou com umas breves e frias férias em bruxelas com ele. também comecei a ir ao ginásio (ou seja, recomecei a nadar). em fevereiro, comecei a lidar com a família dele mais frequentemente (fui a casa dos pais dele tomar café pela primeira vez!). em março fui a paris apresentar um póster, e mais tarde vi bruno nogueira no theatro circo. abril trouxe o início de um novo projecto (amp sessions), e algumas mudanças (ele foi para coimbra). em maio visitei évora para o encontro da associação portuguesa de psicologia experimental, e tive uma desculpa para ir a coimbra também. ainda em maio, tive a oportunidade de ver silva ao vivo, e fortalecer os laços com as colegas de trabalho. o calor de junho justificou uma ida ao rio em coimbra, um concerto do filipe sambado, no salão brazil, e uma fugida até vila real para o rock nordeste. ainda em junho, um são joão com fartura(s), e um casamento dum amigo de infância. já em julho, conheci (melhor) a praia da figueira da foz, e ouvi kevin morby ao vivo. finalmente, em agosto, com a minha partida já próxima, tive um óptimo jantar de despedida com amigos, e um piquenique em família (onde ele e a minha mãe disputaram uma partida de badminton). já na alemanha, passei bons momentos com ele em frankfurt e em mannheim. e tive a oportunidade de conhecer as pessoas fantásticas que me rodeiam neste momento.
resumindo, viagens, música e bons amigos. e basta.
«come to me now, don’t let me go, stay by my side
don’t let me go, stay with me still, i’ve missed you so»
eu gosto muito de água e de nadar. natação é talvez o único desporto que gosto de praticar. tenho, aliás, um conto escrito sobre isso. antes de vir para a alemanha, cancelei o meu contrato no ginásio onde nadava, e fiquei a pensar que não nadaria durante quatro meses. de qualquer forma, e porque gosto de estar prevenido, acabei por trazer o equipamento para o caso de poder vir a nadar em piscinas germânicas. efectivamente, há coisa de duas semanas (embora andasse a estudar o assunto mais ou menos desde que aqui cheguei), fui à piscina nadar. repeti a proeza a semana passada também. posso claramente dizer que valeu a pena, porque o stress acumulado estava (e ainda está) a dar cabo de mim.
sobre a piscina alemã (ou pelo menos esta em particular), há também algumas diferenças que merecem ser partilhadas. logo a entrada dos balneários foi estranha: havia apenas cabines para nos mudarmos, e que davam acesso aos cacifos, numa zona partilhada por homens e mulheres. só depois, para o acesso à piscina, passamos pela casa-de-banho masculina (ou feminina), onde estão também os chuveiros. ali há duas piscinas (como já tinha visto no site da cidade - aqui os websites estão actualizados!), uma mais pequena com água mais quente (onde também há hidroginástica de vez em quando), e uma semi olímpica, com 25m de comprimento e pranchas para mergulhos. para minha surpresa, quase ninguém usava touca: só mesmo quem estava na única pista para "nado rápido". o facto de haver só uma pista para nadar "a sério" faz com que quase toda a área da piscina seja um caos onde há velhinhas a nadar de bruços muito calmamente, crianças a saltar de um lado para o outro, e vários nadadores que quase chocam uns contra os outros. devem imaginar que fica (quase) impossível nadar-se de costas. na última semana, depois de nadar um pouco, vi que há pessoas a fazer hidroginástica na outra piscina. velhotas sem touca aos saltinhos na água, de óculos (de visão, não de piscina), brincos, e colares. não me pareceu muito higiénico. são pormenores engraçados que dão que pensar e talvez fiquem na memória.
também no último fim-de-semana me aconteceu algo memorável. primeiro, um choque mental de que o tempo passa efectivamente a voar: duas das pessoas mais importantes na minha vida escolheram o dia 19 de outubro para celebrar o seu compromisso de amor. a minha irmã e o meu cunhado casaram há seis anos, o que, olhando para trás, parece uma vida que passou num ápice. também nesse dia, depois de ter esperado horas por uma chamada de skype que não chegou a acontecer (apesar da insistência da pessoa semanas antes), dou por mim a lidar uma inundação na casa-de-banho do apartamento durante a madrugada.
começou levemente, quando me deparei com um tapete molhado na casa-de-banho enquanto me preparava para dormir, já depois da uma da manhã. no entanto, havia um barulho estranho (soava a uma torneira aberta) vindo da parede, que horas antes confundira com o som da chuva. fiquei preocupado, e acabei por ir confirmando várias vezes que não havia água a escorrer pela parede, e a tentar perceber de onde viria. comecei a entrar em pânico quando, mais tarde, a quantidade de água no chão aumentou significativamente. decidi que era melhor reagir, não fosse a água fazer demasiados danos durante a noite. fui ao handbook da guesthouse (onde estou alojado), mas os contactos eram todas para horas em que o welcome center está aberto. fui, então, verificar o aviso sobre emergências que tenho afixado na porta do quarto: 112 ou, telefonar para um número que está disponível 24/7, que pertencia aos seguranças da universidade. tentei esse número, com e sem indicativo - não atribuído. entretanto, a casa-de-banho começava a ficar inundada. decidi tentar ligar ao italiano que conhecera semanas antes, e a uma colega aqui do PhD. nenhum deles atendeu, o que é compreensível quando se liga a alguém às duas da manhã. enviei uma mensagem para o grupo de whatsapp dos alunos do PhD, a ver se alguém estaria acordado, e tive sorte. sugeriram confirmar se o número não era uma extensão da universidade (e efectivamente era). consegui marcar o número completo, mas três vezes ninguém me atendeu. decidi ligar o 112. percebi que a pessoa estava cansada e aborrecida quando atendeu, mas lá registou a ocorrência e o endereço (que não confirmou), e disse para aguardar na rua, que os bombeiros estariam a caminho. como falámos em inglês, alguma confusão pode ter surgido: o senhor registou N2 em vez de M2, e traduziu "thirteen" como "vierzehn". isso fez com que os bombeiros não só demorassem, mas também a polícia veio primeiro para confirmar que efectivamente havia emergência, sendo que me disseram que tinha dado a morada errada. a vantagem foi que um dos polícias falava muito bem inglês, e havia também um bombeiro que o fazia razoavelmente. tentaram perceber porque não houve ninguém da universidade (ou da gestão do condomínio, neste caso, guesthouse) a atender. a polícia acabou por tentar ligar com os seguranças da universidade utilizando o telefone que tenho no quarto (pelo meu entender, aquilo não funcionava, e até me esquecera da sua existência), mas também não atenderam. entretanto, os bombeiros descobriram que a água vinha da base do chuveiro, tiraram uma tampa de lá (o que inundou por completo a casa-de-banho), e sugeriram que tinha sido águas acumuladas na base do chuveiro que fizeram com que um cano ali rebentasse. não me convenceram, e tentei falar-lhes do barulho na parede. disseram que era só aquilo, que limpasse o chão e não usasse o chuveiro, que alguém no dia seguinte de manhã iria tratar do assunto. os polícias tentaram ver possíveis estragos no apartamento de baixo (onde, vim a saber mais tarde, um senhor vivia só durante a semana), gritando polizei! muito alto, enquanto batiam fortemente contra a porta (ainda era de madrugada). parecia uma cena do rex, ou assim. nisto, os seguranças ligam para o telefone do meu apartamento, e é o bombeiro a atender. passados uns minutos, eles aparecem aqui também. insisto no barulho da parede, mas dizem que não é nada, que é o extractor do ar a funcionar.
comecei a limpar o chão com as minhas toalhas, eram já quatro da manhã (ou já passava, não sei muito bem) e fiquei naquilo uma meia hora, pelo menos. no início a água ia desaparecendo, mas quando me aproximava da origem da água, comecei a reparar que a água, por mais que passasse lá as toalhas, não desaparecia. comecei a perceber que o problema não ficara resolvido. voltei a ligar aos seguranças, mas surgiu outro problema: eles quase não falavam inglês, e eu não falo alemão. foda-se. eles lá apareceram no apartamento, munidos do google tradutor, e tentaram ajudar-me. perceberam que efectivamente a inundação era grave (nesta fase só consegui colocar as toalhas à porta da casa-de-banho para formar um dique que impedisse a água de avançar muito para a entrada), e percebi que eles também acharam grave porque sheisse foi a palavra mais usada durante a noite. disseram que o problema maior era, para além de ser madrugada, ser domingo: não haveria ninguém disponível para fazer o que quer que fosse. e eu só queria que fechassem a água do apartamento, que parassem aquele barulho e acabassem com a origem do problema (aliás, tinha pedido aos bombeiros que o fizessem também). o problema é que parece que só o administrador (gestor do condomínio) poderia fazer isso. a única torneira do género no apartamento não funcionava, e não havia nada no exterior que indicasse ser a torneira do fornecimento da água. os seguranças disseram que aquilo não era da sua competência. ligaram ao seu patrão, e insistiram na gravidade do problema. o senhor disse-lhes que viria ao apartamento com algum técnico naquele momento. nisto, o tempo foi passando, os seguranças saem, e o senhor chega. são cerca das cinco da manhã. o senhor trouxe um velhote que era electricista (não picheleiro), mas foi esse velhote que teve a decência de ir à cave do prédio procurar a torneira que fechava a água de todo o apartamento. fiquei-lhe muito grato, embora a barreira linguística não o tenha deixado perceber. o técnico chegou cheio de energia, dizendo, com um sorriso, guten morgen e eu pensei foda-se, ainda nem dormi. o senhor lá examinou a situação, fez um buraco na parede (pelo que percebi, sem a autorização da administração), e percebeu que não resolveria o problema sem as ferramentas e peças adequados, algo que só poderia acontecer a partir de segunda-feira porque, lá está, era domingo e ninguém faz um piço ao domingo. nisto, o chefe da segurança, estava a tentar arranjar-me outro apartamento para eu ficar, e estava a tentar obter o número de telemóvel da administração da guesthouse ou do welcome center (sem sucesso, acho). pelas seis da manhã, todos saíram (o picheleiro limpou-me o chão da casa-de-banho, o que foi fixe), e o chefe da segurança ficou de me ligar para me informar do possível apartamento. a casa-de-banho ficou inutilizável.
no dia seguinte, o italiano deixou-me utilizar a wc dele e tomar banho lá, e mais tarde acabei por ir para o escritório, onde teria casa-de-banho disponível para usar. um fim-de-semana que foi mais um pesadelo. é que, como vos disse, gosto muito de água. mas não a escorrer pelas paredes e invadindo o chão da casa-de-banho. só na segunda-feira o responsável do welcome center entra em contacto comigo, dando-me a chave para outro apartamento que poderei utilizar até sexta (hoje). utilizei-o basicamente só para usar a casa-de-banho e para cozinhar. também só hoje (depois de algumas visitas durante a semana) é que alguém vai fazer a intervenção na casa-de-banho do meu apartamento. o apartamento de baixo ficou meio destruído, e vai sofrer intervenções enormes (inclusive novas pinturas), o que vai demorar algumas semanas (o senhor até vai sair de lá). o meu, com sorte, ficará operacional hoje. caso contrário, dar-me-ão um quarto de hotel para o fim-de-semana. depois de ter água no apartamento (mesmo que a reparação não esteja completa, como ainda ter um buraco na parede, ou assim), é suposto ficar aqui só umas semanas (para eles poderem terminar as obras sem me incomodar). propuseram que me mudasse para outro apartamento que terão disponível em novembro, durante mais 3 semanas, e depois que me mudasse para outro no final de novembro, até ao final da minha estadia. isto porque têm sempre mais hóspedes a chegar, hóspedes que também terão contractos de arrendamento para esses respectivos apartamentos e, embora chato, eu percebo a complicação em gerir tudo isto. bom, vamos lá ver como a situação se resolve. eu, entretanto, vou trabalhar.
esta última semana foi um inferno emocional. senti-me muito perto de sofrer um episódio de burnout. tudo porque tenho de recolher dados em portugal (com a ajuda da minha colega r.), mas não estou a conseguir participantes suficientes. o tempo está a passar, e o estudo é essencial para a revisão do meu primeiro artigo. como se não bastasse, também tive recolhas aqui em mannheim, para o meu segundo estudo. só consegui nove participantes (quando preciso de trinta). em simultâneo, tenho muita coisa para escrever, muita coisa para decidir. e, juro, não estava a aguentar.
tenho tido dores de costas insuportáveis todos os dias. não sei se é de andar todos os dias de mochila durante bastante mais tempo do que o que costumava andar em portugal, se a cama e almofada são uma merda, se é porque aqui não faço exercício, se é do stress, ou se é da má postura. na verdade, talvez seja tudo isto. foda-se. já tentei começar a resolver o problema. na última quinta-feira fui a uma piscina nadar um pouco (e gostei, pelo que tentarei repetir), e ontem comprei uma almofada nova. vamos ver se melhoro.
já agora, como a última crónica não relatou nenhum acontecimento em específico, mas foi mais uma reflexão sobre diferenças e semelhanças, fica uma listagem do que fiz de relevante nas semanas anteriores: visitei estugarda, para votar antecipadamente, ainda em setembro (o meu voto mais caro de sempre, já que me custou 40€ só de viagem), e voltei com molho de francesinha duma loja portuguesa - talvez cozinhe nos meus anos; fui com os alunos do doutoramento a uma festa para os phds de toda a universidade e, embora divertida pelas pessoas que me acompanhavam, a festa foi bem foleira; nesse dia, fiz pastéis de natas pela primeira vez, e embora tenham ficado com uma textura muito estranha, o pessoal adorou; depois fiquei adoentado e passei uns dias em casa; fui a uma festa no dia três de outubro para celebrar a cultura alemã, comi coisas estranhas que não gostei e ouvi música alemã; também nesta festa levei pastéis de nata (improved version), porque a massa folhada estava fora do prazo e tinha de a gastar; uns dias antes fui a um "stammtisch" do welcome center, um encontro para os alunos internacionais, onde esperava conhecer pessoas; fiquei com o contacto dum rapaz italiano que mora no mesmo edifício que eu, e fomos beber uma cerveja uns dias depois.
tem chovido bastante mas, ontem, o sol veio para nos aquecer um pouco, e fica até os próximos dias, pelo menos. é bom rever o céu azul. a ver se o bom tempo me traz a energia de que preciso. é que a próxima semana será dedicada a tentar reescrever o meu artigo em revisão, e a tentar planear a minha seguinte experiência aqui (embora a segunda não tenha terminado).
Sempre pensei que, se pudesse ter um superpoder, escolheria poder voar (como o super-homem). Mas se me perguntassem hoje que superpoder desejaria, a minha escolha seria parar o tempo. Aqui deitado, contigo, escolheria parar o tempo.
Escuto o tiquetaque dos ponteiros de um relógio, que está na cozinha. Vejo as cortinas amarelas oscilando com a brisa que entra pela janela entreaberta, mas cujos movimentos parecem sincronizados com a tua respiração sobre o meu peito. Passo a mão pelos teus cabelos escuros. Sinto o teu cheiro, e ainda sinto o teu sabor na minha língua. É isto: prolongaria este momento para sempre, se pudesse. Nós dois, longe do mundo, algures pela Alemanha, fazendo amor enquanto a chuva cai levemente lá fora num dia cinzento de Agosto, esquecendo a ideia de que teremos de dizer adeus em breve, e que um novo abraço ainda demora.
escrito a 17.08.2019
tenho reflectido bastante sobre tudo o que é diferente entre a minha vida aqui em mannheim e a minha vida em braga, mas também sobre todas as semelhanças com que me vou deparando. e como no dia três de outubro se celebrou o dia da unificação da alemanha (que assinala a união das duas alemanhas, pós-queda do muro de berlim), e a universidade esteve fechada, tive algum tempo para escrever sobre isso.
comecemos pelas pequenas coisas da rotina diária. aqui, ao contrário de portugal, não há dois lençóis na cama; só se usa o de baixo, e logo o edredão por cima de nós (aliás, à semelhança de imensos outros países, como frança). ao acordar, estava habituado a ouvir sons de construção de um novo prédio em frente ao meu; aqui também acordo assim, por haver remodelações em dois prédios neste quarteirão (lucky me, right?). também costumava ouvir pombos ou rolas à janela pela manhã; aqui oiço maioritariamente corvos, o que torna tudo um pouco mais sinistro. para além de todos estes ruídos matinais, acrescentam-se os guinchos de crianças, de uma creche que existe no quarteirão.
depois de sair de casa, consigo ir facilmente a pé para o trabalho, porque o centro de mannheim está organizado de uma forma muito curiosa: dentro de um quadrado onde as ruas não têm nome e os quarteirões têm nomenclaturas de letras e números (e.g., A1, A2, B1, B2), cuja orientação se faz a partir do edifício principal, que é o palácio da universidade. apesar de inicialmente confuso, o sistema é, afinal bastante simples e faz com que seja impossível perdermo-nos dentro da cidade. além disso, tudo fica relativamente perto. e como vou a pé para todo o lado, é fácil cruzar-me com esquilos que habitam os parques ou jardins de mannheim. em braga, o bom jesus e o parque da ponte são os únicos espaços verdes, e nunca vi esquilos por lá. aqui, os carros estacionam sobre o passeio, mas o passeio é sempre suficientemente largo para as pessoas (mesmo em cadeira-de-rodas) passarem, e paga-se parquímetro mesmo nessa situação. a vida na cidade parece-me semelhante, embora haja muito mais pessoas a ir às compras pós-trabalho, por exemplo. e, claro, a multiculturalidade é superior aqui (a comunidade turca é bastante numerosa). há, também, muito mais bicicletas e pessoas a usá-las. faz parte do estilo de vida, simplesmente. em braga, continua-se a abusar do carro próprio.
como disse, tudo fica perto, inclusive os diversos supermercados. contudo, ir às compras é estranho, porque os produtos disponíveis variam imenso (por questões culturais). por exemplo, só há três tipos de arroz: vaporizado, basmati, ou arroz de sushi (ok, há variações tipo arroz integral, mas não há arroz como o há em portugal). por outro lado, há mil e uma versões de purés de batata, ou coisas parecidas (e.g., kartoffelspätzle, que parece gnocchi). não há iogurtes de tamanho "normal", nem em packs: é tudo em formato familiar (e.g., 1L de iogurte líquido) ou individual. algumas frutas pagam-se à peça, o que as torna caríssimas, e a quantidade de produtos "bio" é exagerada. apesar disso, no geral, as coisas custam sensivelmente o mesmo que em portugal. os alemães ainda têm sistema de tara sobre (quase todas) as garrafas de vidro e plástico, e algumas latas de cerveja (tentativa de promover a reciclagem, mas o feedback que obtive é que é um pouco inútil). os empregados da caixa são geralmente mais antipáticos e nunca esperam que as pessoas ensaquem as compras (no lidl nem há espaço para colocar as compras). ao domingo está tudo fechado, excepto alguns restaurantes, bares, ou as lojas de conveniência localizadas na estação de comboios. até a forma de pagar por cá é curiosamente diferente: é raro pagar-se com cartão em restaurantes, e dar gorjeta é regra, algo que em portugal eu não faria (salvo raríssimas excepções). o sistema de reciclagem é quase idêntico, excepto para o vidro: separa-se consoante a cor (transparente, verde ou castanho) em contentores postos na rua (há horário para depositar o vidro). o restante lixo é colocado em contentores dentro dos prédios (lixo comum, papel e cartão, embalagens).
na vida académica, reparei na pontualidade mais rígida (embora as pessoas mais jovens não sejam tão pontuais quanto isso, o que me pareça um efeito geracional). quando há apresentações, não há palmas. em vez disso, bate-se na mesa (embora me tenham garantido que em espectáculos, batam palmas como pessoas normais). na investigação, paga-se aos participantes: 8€ por hora de experiência (em portugal quase compensaria fazer disto emprego). aqui, as propinas de um doutoramento são cerca de 200€ anuais, enquanto que em braga eu pago (ou a minha bolsa paga, vá) 2750€, o que soa a um absurdo. mais, aqui os alunos de doutoramento têm financiamento para quase tudo: idas a congressos (incluindo viagens e alojamento), bem como todo o material que precisem e um gabinete próprio (ou partilhado com uma ou duas pessoas). tudo isto para além do salário que recebem. eu, até agora, tive um subsídio de 750€ da fct para todo o meu doutoramento (que apenas chegou para a primeira conferencia internacional a que fui), o que significou pagar todas as outras idas a conferências do meu bolso. no meu laboratório, trabalho numa sala comum (que pode albergar 12 postos de trabalho - felizmente não somos tantos) e para além do computador para trabalhar, quase não tenho nada disponível (aliás, para impressões, tenho de levar o meu próprio papel - a universidade diz que quer ter uma política de "zero papel"). e, claro, as ânsias e receios são muito semelhantes: embora aqui os alunos e investigadores não tenham uma vida tão precária como em portugal, a chegada do fim do doutoramento faz pensar sobre a instabilidade de uma carreira no mundo académico, que pode implicar a saída da cidade ou do país para arranjar emprego, ou na dificuldade que é obter uma carreira na docência; ou noutra área qualquer, depois de anos de especialização a investigar um tópico demasiado específico que nos torna sobrequalificados para quase qualquer coisa.
bom, estes foram os pontos sobre que mais reflecti nestes dias. ah, é verdade: aqui em mannheim faz mais frio, pelo menos agora no início de outubro. bastante mais frio.