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tenho andado perdido, que é como quem diz sem rumo. depois de um ano fechado em casa escrevendo a tese de doutoramento - e foram demasiados os dias fechado em casa - ainda espero a sua defesa. chegará dentro dum mês. ficar, finalmente, livre disto. mas a verdade é que ainda não me preparei verdadeiramente para esse momento tão desejado. porquê? porque comecei a dar aulas.
uau, que sorte, ainda nem doutorado e já com trabalho. claro, mais um trabalho precário a que me sujeito, porque não quis deixar passar a oportunidade. mesmo estando esgotado por causa do doutoramento (e pandemia), mesmo estando desiludido e farto da vida académica, aceitei. arrependi-me quase imediatamente. mas põe quanto és no mínimo que fazes, pensei. e, por isso, dei por mim a dedicar-me a essa tarefa tentando dar o melhor de mim. aliás, como sinto ter dado nas mais variadas tarefas ao longo do tempo. o problema é que cada vez mais sinto que o melhor de mim não é suficiente, não chega, e nunca chegará.
leciono duas unidades curriculares (não sozinho), uma sobre escrita científica, e outra sobre análise de dados em psicologia com recurso ao spss. problema com isto? a sensação de falta de controlo. não sou um mestre da escrita científica, até porque suei imenso para conseguir publicar os dois artigos que tenho publicados e, apesar de perceber alguma coisa de análise de dados (sobretudo circunscrita à psicologia experimental), a minha relação com o spss é limitade e nada amigável. mas, põe quanto és no mínimo que fazes. as aulas começaram por funcionar à distância, online. dois dias por semana, seis horas por dia. não parece exaustivo, e não deveria ser. mas a planificação das aulas exige-me trabalhar pelo menos mais dois dias quase exclusivamente nisso. talvez por querer alcançar a excelência nas minhas funções? talvez porque estou a ajudar a formar futuros psicólogos(as) no que se refere à avaliação da qualidade das evidências científicas, e tenho medo de falhar? a verdade é que esta atividade me ocupa a maior parte do tempo. e quando não estou a trabalhar para as aulas, estou a pensar nas aulas. e é aí que está o problema: ansiedade.
sempre me recordo de sentir alguma ansiedade com certos eventos. a ansiedade antes de um teste, antes de uma viagem, ou antes de uma entrevista de emprego ou, em tempos mais longínquos, antes de uma peça de teatro. nada de muito grave, apenas o suficiente para mexer com os meus sistemas digestivo e excretor - o que, agora em retrospetiva, pode ser sinal de outros problemas. agora, com o peso da pandemia, que sinto me ter afetado bastante mais nestes últimos dias, uma simples saída de casa para ir ao supermercado gera alguma ansiedade. quando penso nas aulas, falo de noites mal dormidas e idas constantes à wc durante o dia, entre os intervalos das aulas. com a retoma das aulas presenciais, tudo piorou: preocupação com horários e segurança dos transportes públicos, a universidade desconhecida e todo um leque de procedimentos e funcionamentos que me são alheios. a tudo isto, juntem as sensações de inutilidade e incompetência que já sentia sobretudo no final do doutoramento, que também me deixam com humor depressivo; e a incerteza do futuro: o que farei após o doutoramento e após esta experiência? este é o cocktail ansiogénico em que me encontro. e afinal, o que responder àquela questão?
continuo sem resposta. o meu percurso académico foi pensado para uma carreira académica mas, agora que aqui cheguei, não me sinto capaz de aguentar a precariedade e o ambiente tóxico que tenho encontrado e que parece ser transversal em todo o país. emigrar será a solução? talvez. mas para continuar na academia? não me sinto seguro de apostar nisso, e a vida que quero construir com ele também depende da sua disponibilidade. a alternativa é sair efetivamente da carreira académica e tentar apostar noutro mercado. fazer agora o estágio para ser psicólogo? nunca senti ter perfil. trabalhar em recrutamento e seleção nalguma empresa? não sinto que me vá satisfazer. tentar encontrar alguma empresa que contrate doutorados em psicologia experimental? ainda não procurei, mas não me parece que as ofertas sejam muitas. diria que o sentimento de incompetência (síndrome do impostor?) também me limita a perceção de oportunidades. a solução poderia ser encarar o trabalho como um "ganha-pão", ter algo apenas para sobreviver, e dedicar-me a outras coisas. mas também sinto que isso acabaria por ser um desperdício da minha formação. e também continuo a pensar põe quanto és no mínimo que fazes. e independentemente do que fizer, talvez vá ter o mesmo problema: exigir demasiado de mim mesmo.
ou talvez só tenha de fazer algo diferente, quebrar o ciclo. só ainda não descobri como. estou seriamente a ponderar procurar ajuda psicológica, mas confesso o meu cepticismo em relação à sua eficácia, e a minha experiência prévia com um psicólogo do sistema nacional de saúde deixou muito a desejar. acho que ainda não estou pronto para o compromisso que implica pedir ajuda, e tentar melhorar a minha vida. por isso, ando a adiar, a adiar, a adiar...