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há cerca de uma semana, estava eu sossegado no meu doom scrolling de instagram pós-jantar diário quando me deparo com um reel cuja música que o acompanhava me transporta instantânea e inexplicavelmente para a minha infância.
abalroado por uma triste nostalgia, surgem-me imagens turvas na memória, e uma associação à minha família, provocadas pelo cantar amis que torna a canção return to innocence, dos enigma, tão característica e reconhecível. coincidentemente, esta memória foi, de certa forma, um retornar à inocência, fazendo jus ao título da música. rapidamente contactei a minha irmã para partilhar a música e a experiência que causou, e fui supreendido por uma mensagem em que ela me explicou que uns dias antes tinha ouvido a canção na rádio e teve a mesma sensação. é que um retorno à inocência só é possível quando voltamos às memórias de infância, isto é, às memórias de tempos sem preocupações e de momentos felizes em família (para quem teve essa sorte), em que o que importa é a exploração do mundo, cheio de possibilidades infinitas. é óbvio que fiquei algumas horas em hiperfoco, pesquisando imenso sobre esta canção, como uma visita à wikipedia e uma exploração ao youtube que incluiu rever o seu videoclip várias vezes, cujas imagens me eram vagamente familiares e retratam um senhor que morre debaixo de um marmeleiro (dito assim parece piada) e vê a sua vida a andar para trás, até ao momento em que era inocente (bebé).
talvez por ser a altura do meu aniversário, tendo a ficar em modo introspetivo e retrospetivo (isto é, ainda mais do que o normal). portanto, fiquei efetivamente a pensar no papel da família em moldar-nos enquanto seres humanos, mas também na forma como isso influencia a nossa relação com os outros, com o mundo. no dia anterior tinha ligado às minhas tias, porque deixei de vê-las semanalmente desde que vim para lisboa. e embora a minha família nunca tenha sido de grandes afetos, é verdade que a minha tia-avó, de 90 anos e com sinais de demência, pode deixar-nos a qualquer momento. e isso deixou-me triste. e depois lembrei-me da minha avó, que nos deixou há uns anos sem que nos pudéssemos despedir com a dignidade que ela merecia; e como por vezes me tento lembrar de como era o seu rosto e a sua voz e já não consigo. e isso deixa-me triste também. como o deixa ainda o facto de a minha família nuclear estar distante e isso dificultar a partilha das nossas vidas, levando a um certo afastamento (que, apesar de tudo, é natural). bom, fui refletindo nisto e sentindo-me um pouco melancólico, mas simultaneamente contente, grato até, por ter este tipo de memórias. até porque aturá-los diária ou semanalmente poderia ser um desafio.
ainda assim, sinto que a minha personalidade ansiosa não me deixa, no momento, dar a atenção que é merecida. aliás, a minha família sofre toda disso. sinto que não nos conhecemos profundamente e dá-me pena. quando volto a braga, sinto isso no pouco tempo que passo com eles. e também com amigos. ou talvez seja apenas aquela sensação de não sabermos que um momento (que damos como garantido) será o final, e de ficarmos com um aperto no peito quando nos apercebemos de que aquilo não se vai repetir; a sensação de que devíamos ter aproveitado mais esse momento. e a verdade é que um dia poderá ser demasiado tarde.
é por isso que me pressiono a tentar aproveitar ao máximo os momentos que planeio. o problema é que a vida não quer saber dos planos que fazemos e os meus planos saem muitas vezes furados. de qualquer forma, a minha ansiedade deixa-me só frustrado e rabugento porque os planos não estão a ser seguidos, e isso aplica-se aos momentos em família e junto de amigos. como dizia a minha psicóloga há uns anos "tem de aprender a flexibilizar, pedro". só que quase nunca consigo (riso nervoso).
outra coisa em que deveria trabalhar - e a ele frustra-o bastante - é o meu negativismo. a verdade é que tenho imensa dificuldade em olhar as coisas pelo lado positivo (e hoje cada vez mais, com o complexo estado do mundo e a aparente indiferença da humanidade, cada vez mais polarizada). gostava mesmo de ser positivo, mas há algo que as pessoas em geral deveriam considerar: às vezes é mesmo muito difícil (se não impossível) mudar esta perspetiva, e as afirmações como "olha para o lado positivo" ou "não podes ser tão negativo" têm o efeito oposto, porque frustram a pessoa que começa a achar que é uma merda porque o problema é dela por não conseguir pensar positivo e, simplesmente, ser feliz. digo-vos honestamente: é fodido.
de qualquer forma, quero finalizar este texto numa nota positiva. completei 33 anos vividos e fiquei feliz de poder ter festejado com pessoas que me são muito queridas e que foi conquistando aqui pela capital. e, embora não tenha festejado com outras igualmente importantes, pela distância, há-de haver outras oportunidades. é bom ter pessoas no local de trabalho com quem gosto de estar, é bom ter amigos que me acompanham nas aventuras (que podem ou não envolver jogos de tabuleiro) por lisboa e arredores, e é bom ter a família a visitar-me para festejarmos e passearmos juntos. e, sobretudo, é fantástico tê-lo a ele a meu lado, para celebrar cada dia desta aventura que é a vida, e que decidimos partilhar um com o outro. apesar de toda a minha rabugice, ele sabe - espero - que lhe estou muito grato e que o amo muito. tal como aos meus pais e à minha irmã (que, estou certo, lerão este texto).
e, de forma introspetiva, e para minha referência futura: olhando para trás, é bom ter marcado a vida de tanta gente (e ter a minha marcada por tanta gente), para que queiram partilhar o seu tempo comigo.
ps: todo o texto foi escrito enquanto ouvia a música return to innocence em repeat.