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há umas semanas pensava na ansiedade que tem dominado os meus dias e refleti há quanto a sinto. é que, em retrospetiva, talvez sempre tenha sido uma pessoa ansiosa, provavelmente desde criança. lembro-me bem da irrequietude nas aulas da primária, em que parecia ter bichos-carpinteiros para responder às questões que achava óbvias, ou contar uma anedota no final da aula. lembro-me também de gaguejar um pouco com a pressa de querer contar as histórias que me corriam no pensamento, a necessidade de ter atenção e que olhassem para mim enquanto falava, e as mil e uma desculpas que fazia para fugir da mesa à hora da refeição.
felizmente, à medida que fui crescendo essas características, de uma forma ou outra, foram desaparecendo. por isso mesmo, também em retrospetiva, me parecem comportamentos relativamente típicos do desenvolvimento humano. já mais velho, lembro-me da ansiedade antes de momentos de avaliação, antes de uma peça de teatro, ou antes de momentos que considerava importantes, como as aulas ou o exame de condução. nessas alturas, tinha já idas críticas à casa-de-banho, nem que fosse para esvaziar uma bexiga já quase vazia. mas isso nunca constituiu um verdadeiro problema.
a ansiedade só se tornou mesmo problemática quando, em adulto, comecei a dar aulas, já mesmo na fase final do meu doutoramento (só faltava a defesa). aliás, foi por essa altura que percebi que o meu corpo não estava a reagir bem e descobri que tinha síndrome do intestino irritável. na altura, a ansiedade de lecionar conteúdos para as quais não me sentia preparado (um pouco também pela desorganização da coordenadora de uma das cadeiras) tirou-me o sono e levou-me a procurar profissionais de saúde.
apesar de nunca ter desejado exercer ou ter exercido psicologia aplicada, a minha formação é suficiente para compreender e detetar alguns sintomas, e perceber algumas das intervenções possíveis. portanto, abordei a minha médica de família [na altura, alguém que susbtituía a minha que se encontrava de baixa] sobre a necessidade de uma avaliação psicológica. a sua resposta foi que a primeira abordagem no serviço nacional de saúde perante sintomas depressivos e/ou ansiosos é medicar durante alguns meses, antes de poder referenciar para a especialidade (de psiquiatria). só em casos graves - ideação suicida, sintomas psicóticos - é-se logo encaminhado para psiquiatria. e assim foi: ansiolítico para recomeçar a dormir, e antidepressivo durante 6 meses. claro que passados dois ou três meses, quando o semestre terminou e deixei de dar aulas (portanto a causa do stress desaparecera), melhorei significativamente - um fator de confusão na explicação do sucesso terapêutico.
gostava de salientar que, com o antidepressivo, ficava preso numa apatia qualquer, que não me deixava sentir extremos de emoções, fossem elas negativas ou positivas. e mesmo depois de o deixar de tomar, nunca voltei a sentir-me igual. fiquei com uma espécie de formigueiro mental que, entre outras coisas, me afetou a escrita e a veia poética. meses mais tarde, quando dei aulas na universidade onde também fiz o curso, a experiência de ansiedade foi diferente, assemelhando-se mais ao nervosismo pré-testes de quando era mais novo. no momento da atividade em si, desaparecia. e a ansiedade é mesmo isso, não é? aquela nervosismo antecipatório que surge em crescendo até ao culminar do momento de agir. no meu caso esse crescendo provoca muito frequentemente uma ida à casa-de-banho para uma soltura de ventre que chegou a ser problemática ao ponto de andar a perder peso. enfim, coisas do síndrome do intestino irritável.
ainda assim, insisti na procura de acompanhamento psicológico. sabia que precisava de obter ferramentas que me ajudassem a lidar com a ansiedade, porque mesmo tendo a teoria, é sempre difícil colocá-la em prática. precisava de ajuda. a minha médica de família [já de volta ao trabalho] fez o pedido e, por um milagre, consegui consulta não muito distante do pedido, através do sns. contudo, estive muito reticente relativamente a isto. porquê? por causa de uma experiência prévia cujo processo foi semelhante.
lá atrás, algures em 2017 ou 2018 (no início da minha relação com ele e no início do meu doutoramento), comecei a apresentar uma ligeira sintomatologia obsessivo-compulsiva e quis procurar ajuda antes que piorasse. depois do processo rápido da minha médica de família, que escreveu uma carta para o centro onde existiam consultas de psicologia, lá fui eu ter uma consulta de psicologia no sns. deixem-me dizer-vos que foi uma experiência bizarra. o senhor tinha abordagem analítica, isto é, baseada em psicanálise, que no meu curso foi abordada devido à importância histórica, mas criticada pela falta de evidência científica. mas isso não é um problema por si só, claro. aliás, a abordagem terapêutica não é o que melhor explica o sucesso da intervenção psicológica (e se isso não diz alguma coisa sobre como a psicologia, não sei o que dirá). o problema foi o senhor psicólogo ter descartado a minha bissexualidade como homossexualidade ("toda a bissexualidade é homossexual na sua natureza" foram as palavras exatas), e concluir que eu não só não precisava de ajuda, como o que precisava era de ter um lugar seguro para eu e o meu namorado fazermos sexo, sem a pressão de vivermos com os nossos pais e o facto de andarmos um pouco escondidos. mas claro que a expressão que utilizou não foi "um lugar seguro"; foi "escroto". na verdade, ele começou por perguntar onde estava o meu útero, pois achava que eu estava numa relação héterossexual, mas quando percebeu que afinal era uma relação homossexual, perguntou onde estava o meu, o nosso escroto. obviamente na altura não consegui processar aquela informação. fiquei só confuso, e demorei a perceber que era uma metáfora. mas a linguagem excessivamente sexualizada era totalmente escusada. a consulta terminou depois de ele dizer que nós precisávamos de "acordar colados de esperma" e que eu não precisava voltar. mas que marcávamos uma outra consulta na mesma, só para me descansar. e eu não voltei lá.
retomando a procura de ajuda psicológica mais recente, que seguiu exatamente o mesmo processo, penso que se percebe qual o meu receio. tinha medo que me calhasse o mesmo psicólogo. e, surpresa, surpresa, calhou-me o mesmo psicólogo. continuou a deixar-me desconfortável desde o momento em que entrei no gabinete e me diz para tirar o casaco, porque dentro do consultório se põe tudo a nu. e, depois de ele não encontrar o meu processo antigo, entre dificuldades informáticas, e comentários excessivamente machistas pelo meio, lá percebeu que eu já lá tinha estado com ele. e foi nessa altura que eu pedi para ser acompanhado por alguém com uma abordagem cognitivo-comportamental. surpreendemente, ele encaminhou-me para uma colega, cujo estágio profissional ele orientara.
embora muito mais positiva, esta experiência deixou-me na mesma de pé atrás. é que discutíamos muitas coisas, mas senti falta de ferramentas concretas para lidar com a ansiedade, ou a sua causa. lá fiz um teste de personalidade para perceber o que ambos (eu e a psicóloga) já tínhamos percebido - que sou um pouco inflexível e coloco demasiada pressão em mim mesmo. e portanto, a mensagem que levei dali foi "tem de flexibilizar, Pedro". depois tive alta, porque não havia muito mais a trabalhar, e vim para lisboa.
bom, nesta reflexão que fiz há umas semanas, lembrei-me que o nosso cérebro primitivo não foi feito para viver no mundo moderno. é que a ansiedade tem uma função: levar-nos a agir nas situações em que a nossa sobrevivência está em perigo, com as respostas automáticas com as quais os seres humanos (e outros animais) estão equipados: fight (luta) or flight (fuga) or freeze (congelar). estas respostas seriam muito adaptativas e úteis no mundo selvagem, onde há perigos e predadores à espreita. mas falar da função da ansiedade antes de dar uma aula, ou porque temos de enviar um email, acaba por não fazer assim tanto sentido. mas, pensando bem, pode ser uma espécie de aviso.
refleti também sobre o facto de eu sempre ter sido (acho) bom observador, atento aos detalhes. acho que era a única característica que poderia ser útil se um dia viesse a exercer psicologia. no mundo selvagem, poderia estar super atento aos predadores. também o facto de eu não adormecer facilmente, e acordar com pequenos barulhos, me faz sentir que, em contexto selvagem, provavelmente identificaria os predadores e reagiria logo. aliás, já o disse em brincadeira a alguns amigos, quando nos perguntámos quem sobreviveria mais tempo numa ilha deserta.
mas depois sou aquela pessoa que tem problemas ortopédicos (também desde criança) e que quando vai nadar fica com cãibras nos pés. ainda nos últimos domingos, no jacuzzi a tentar relaxar depois de nadar, coloquei o pé em frente a um jato e fiquei com uma cãibra insuportável. portanto, mesmo que fosse dos primeiros a reagir no mundo selvagem, talvez conseguisse correr uns 15 metros até ser atirado ao chão por uma cãibra, ou uma dor de ciática, e ficar à mercê dos predadores.
em suma, não me serve de muito, esta coisa da ansiedade.